quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O dia em que choveu fogo - parte 5/5



O início deste conto pode ser encontrado em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-primeira-parte.html

A quarta parte está disponível em: http://pedro-cipriano.blogspot.de/2012/08/o-dia-em-que-choveu-fogo-quarta-parte.html

Num gesto quase mecânico, como se fosse um espectador das suas próprias acções, puxou o cordão do explosivo. Sem apreender totalmente a noção do que fizera, saltara para fora da trincheira. Correu meia dúzia de passos e estendeu-se ao comprido no chão. Esperou pela explosão.
Nada aconteceu. Percebeu que nem sequer sabia quanto tempo é que demorava depois de se puxar o cordel. Tendo em conta o estado do equipamento que lhe haviam dado, era provável que a granada nem sequer funcionasse. Outra possibilidade era de que nem sequer tivesse activado o mecanismo correctamente. No momento em que tomou consciência que os seus companheiros ainda estavam no buraco, o coração falhou-lhe uma batida. Tinha de voltar atrás e desarmar a bomba antes que ferisse alguém que não fosse suposto.
No instante em que se ia levantar, o engenho deflagrou. A luz e o som da explosão duraram apenas uma fracção de segundo. Sentiu o deslocamento violento do ar e um zumbido nos seus ouvidos. Era tarde demais. Quaisquer que fossem as consequências, não podiam mais ser evitadas.
Os outros soldados acordaram abruptamente. Durante longos momentos, houve um silêncio mortal, enquanto se escondiam nas trincheiras.
- Olhem, este aqui foi atingido – ouviu de dentro da trincheira.
Alexey pôs-se de pé e aproximou-se. Em poucos segundos, juntaram-se duas dezenas de pessoas em volta.
O braço estava desfeito, tendo os pedaços de músculo e osso sido espalhados em volta. O pescoço estava torcido num ângulo estranho e o crânio estava aberto. Parte da massa encefálica tinha sido derramada por cima da terra seca. O sangue e a poeira formavam uma pasta densa. Não havia dúvidas de que estava morto.
Ninguém levantou a hipótese de homicídio e todos culparam prontamente os alemães. Por entre os soldados, ele tremia, temendo ser apanhado a qualquer instante .
Antes de voltarem a adormecer, mudaram o corpo para dentro de uma cratera e deitaram terra sobre o sangue. Alexey apanhou vários sustos durante o processo, pois parecia-lhe que, a cada momento, o poderiam denunciar. Meia hora depois, à excepção dele e dos sentinelas, todos tinham adormecido.
Tinha acabado de matar. Ao fechar os olhos, conjurou involuntariamente a imagem do corpo desfeito. Achava que o tinha feito por necessidade, mas nem disso tinha certeza. Não era remorso que sentia, era medo de ser apanhado. A luz do dia iria revelar detalhes que tinham escapado durante a noite. O tenente não aceitaria a hipótese de acidente sem se questionar. Bastava que o interrogasse para que a verdade fosse descoberta. O terror que sentia só era comparável ao do bombardeamento. Por um momento, teve esperança de poder defender a sua posição e declarar que apenas se defendera. A ilusão durou pouco tempo, já que estava perfeitamente consciente da indiferença que existia na cadeia de comando. Culpado ou não, seria usado como exemplo para os restantes, sofrendo uma punição severa. Estremeceu violentamente ao imaginar o seu próprio fuzilamento.
Precisava de reagir, já que não queria ficar parado e esperar por aquilo que o destino lhe reservasse. Quase inconscientemente, começou a rastejar pela vala para Sul, esperando que ninguém desse conta. Suspeitando que os soldados de guarda estavam quase a dormir, atravessou por entre eles sem os alertar. Arrastou-se outras duas centenas de metros até se poder esconder por detrás de umas sebes.
Recuperou o fôlego durante um momento, apercebendo-se que tinha os cotovelos e as mãos em ferida. O véu da noite caia, dando lugar ao lusco-fusco cinzento que antecede o dia. O céu estava limpo, adivinhando outro dia quente.
Sabia que não podia esperar mais e, por isso, desatou a correr em direcção às linhas alemãs.

FIM

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